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31 de out. de 2012

ROUBANDO DINHEIRO PÚBLICO

Engenharia financeira injeta
dinheiro público na Arena


Estava realizando minhas pesquisas na web e me deparei com uma interessante entrevista do advogado e coordenador do Comitê Popular da Copa em Curitiba, Thiago Hoshino, sobre o mau uso do dinheiro público na Arena.

O advogado, concedeu no início deste mês, uma entrevista ao "Jornal Sismuc" (Do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba) para o jornalista Guilherme Carvalho, editor responsável do periódico e que também assina a matéria e na entrevista o coordenador do Comitê, traz os problemas que este tipo de operação - injeção de dinheiro público em obra privada - pode gerar para o município e critica a falta de transparência nas ações realizadas pelos gestores. Depois de aprovar um montante de R$ 90 milhões em potencial construtivo, a Câmara Municipal agora debate a possibilidade de ampliar este valor. Confira abaixo a entrevista realizada pela Coordenação de Comunicação do Sismuc.



Jornal do Sismuc: O que está em jogo na liberação dos recursos por meio de potencial construtivo?
Thiago Hoshino: A questão tem vários aspectos. O primeiro deles é a própria aplicação de recursos públicos em uma obra privada. Embora exista um debate sobre a natureza do potencial construtivo, parece que tem se encaminhado nesse entendimento. De acordo com a nossa leitura, baseada no Estatuto da Cidade, da lei 10247/2001, que regulamentou em nível nacional esse instrumento de política urbana, trata-se de um mecanismo a ser aplicado em casos de interesse público, e dentro de alguns critérios muito específicos.
O primeiro deles é em imóveis de interesse de preservação histórico-cultural. Nesses casos, é óbvio, Curitiba alega que há muitos anos já usa o tal do potencial construtivo com base na Lei de solo criado, como eles chamam aqui, para reformas, obras e restauração. Mas esses casos são imóveis previstos dentro da utilização do potencial construtivo pela lei federal. Foi usado na reforma da catedral de Curitiba e em áreas de preservação permanente. Nesses dois casos foi feita um intervenção do poder público em propriedades privadas e foi usado (o potencial construtivo) como uma forma de indenização ao proprietário. 
A POPULAÇÃO ESTÁ PAGANDO, VIA BNDES A CONSTRUÇÃO DO ESTÁDIO

JS: Pessoas que defendem a liberação de recursos para a Arena justificam a aplicação do recurso dizendo que eventos municipais poderiam ser realizados lá. Como você avalia isso?
TH: Até pouco tempo o grande discurso dos idealizadores do potencial construtivo era que ele não era recurso público, logo, poderia ser usado como bem se entendesse. Isso tem caído diante do posicionamento dos relatórios que o Tribunal de Contas do Estado do Paraná vêm emitindo e também diante de jurisprudências em nível nacional. A utilização sem critérios do potencial construtivo em nível de doação, sem nenhuma contrapartida, ou quase sem nenhuma contrapartida do particular é uma forma de abrir mão de uma captação de recursos que o município poderia auferir posteriormente. 

JS: Em outras palavras, o potencial construtivo é recurso público?
TH: Claro. Como eu disse, não é ponto pacífico do entendimento jurídico, mas tem-se construído esse entendimento, inclusive parece que essa é a posição que o TCE tem adotado. Não é recurso monetário, mas é um bem público, como outros títulos e créditos que a administração detém.
O contra-argumento que foi construído é que, se ele é recurso público, então existe interesse público naquela obra. Em toda cidade sede da Copa, o que a gente tem observado é uma perversão da categoria ‘interesse público’, para legitimar todo tipo de obra sem avaliação real dos impactos desses projetos. Ninguém está dizendo que em nenhuma hipótese esses recursos poderiam ser aplicados, mas desde que consultada a população, desde que consultado o interesse público real, desde que estabelecidas contrapartidas justas por parte do particular e desde que instituídos mecanismos de transparência e controle social da gestão desse recurso. Agora, nada disso existe no caso da Arena da Baixada.

JS: O repasse para a obra na Arena é irregular, então?
TH: A engenharia jurídica e financeira realizada por parte do município e do estado foi feita para maquiar o que é, na verdade, uma doação. Pelo seguinte: os R$ 90 milhões cedidos em 2010 deveriam cobrir a parte do município e também a do Estado do Paraná, porque esse valor representava dois terços da obra, orçada na época em R$ 135 milhões – hoje as estimativas passam de R$ 200 milhões, por isso que querem alterar a lei.

O Atlético pegaria um empréstimo com o BNDES e o potencial construtivo seria a garantia desse empréstimo (para realizar o seu terço da obra). Ou seja, um título público garantindo o empréstimo de dinheiro público.  Só que, como os valores do potencial construtivo são flutuantes, o BNDES não aceita que esses títulos sejam indexados na garantia. É essa alteração na lei que a Prefeitura propõe que seja feita, o que é absurdo.

O BNDES então recusou essa garantia. Aí entra o Governo do Estado, que alterou as normas do fundo de investimento estadual – um fundo que recebe repasses, inclusive do Governo Federal, e distribui entre os municípios, para que o fundo fosse o articulador desse investimento do BNDES. O que acontece hoje é o seguinte: o município emitiu o potencial construtivo, esse potencial construtivo será entregue ao fundo estadual e o estado toma o empréstimo do Governo Federal, dando como garantia o dinheiro do Fundo de Desenvolvimento Estadual, que o BNDES aceita.


JS: Mas existe interesse público para que esse dinheiro seja investido numa obra privada?

TH: Interesse público é uma categoria que pode ser articulada por qualquer um dos lados, de qualquer forma. Não existe, por lei, qualquer definição do que seja interesse público. Interesse público depende da avaliação política. A questão que se coloca é: quem diz que existe interesse público nesse projeto? Porque, assim como nas outras obras que Curitiba está recebendo, financiadas pela Copa do Mundo – e o município está se endividando por conta dessas obras, por que elas não vêm de graça –, não houve qualquer tipo de consulta pública. Portanto, não se pode dizer que existe interesse coletivo manifestado pela população de Curitiba em adquirir essas dívidas que serão pagas através dos impostos, em obras supostamente prioritárias definidas pelos técnicos da Prefeitura. 
No caso da Arena é ainda pior porque não é uma obra pública.
Ela não vai ser cedida ao município, não vai ter qualquer forma de acesso público. As contrapartidas que o Atlético ofereceu são pífias. No convênio original não diz que o Atlético deve ceder a Arena para eventos públicos. Há apenas a cessão de uma sala do estádio onde funcionaria a Secretaria de Esportes do Município e contrapartidas bizarras, que contrariam o interesse público, como por exemplo a cessão de dois camarotes para representantes do poder público. E, nesse caso, houve duas audiências públicas onde a sociedade civil se mostrou contrária a esse tipo de investimento.

 Isso porque, tirando todo o debate sobre a origem dos recursos, a aplicação do potencial construtivo gera impactos urbanísticos sobre os quais nós temos pouco controle. 
É muito possível que o valor do potencial construtivo, ao ser vendido no mercado, não alcance o valor do empréstimo. Temos um exemplo recente disso que é a operação urbana consorciada para a construção da Linha Verde-Sul.


Nessa operação existe a venda em leilão de lotes de potencial construtivo, onde o primeiro leilão foi um fracasso, não alcançando o valor que o município queria, o que mostra que o mercado não está tão aquecido assim para a venda desses títulos.

O valor das cotas de potencial construtivo está sendo sobredimensionado pelo poder público. Não houve estudo sobre isso no momento de aprovação do projeto de lei, nem financeiro, nem sobre impacto orçamentário. Nós não sabemos quanto, de fato, essa quantidade de potencial construtivo significa em termos de renúncia de arrecadação nos cofres do município. 
Não houve também estudo sobre o impacto urbanístico. Porque, lá na ponta, esse potencial construtivo vira mais andares em prédios da cidade, vira mais metros quadrados construídos e vira mais adensamento de algumas regiões da cidade. Ou seja, mais gente morando, logo, mais necessidade de infraestrutura, de esgoto, trânsito, tudo isso.

Em 2010 nós fizemos a proposta de que, já que seria aprovado o potencial construtivo, que fosse ligado a zonas da cidade de menor urbanização, o que resultaria em algo positivo. Você vincula essa construção a áreas que precisam de infraestrutura e construção, e não em áreas onde a cidade não tem mais como receber moradores novos, mas que possuem interesse imobiliário. Essa proposta não passou.

JS: Como você avalia o aumento do valor dos títulos do potencial construtivo que está sendo proposto agora?
TH: No documento que o Comitê Popular da Copa enviou ao TCE, uma das coisas que nós criticávamos era o fato de que não poderia, como estava na lei original, vincular o potencial construtivo a um valor. Porque esse valor é flutuante. No novo projeto de lei, isso foi alterado.

Agora, o projeto de lei prevê 250 mil cotas de potencial construtivo para serem liberadas pelo município.
O problema disso é que o valor das cotas vai ser estabelecido de acordo com um programa que vende potencial construtivo na cidade. Só que neste programa, o valor das cotas é estabelecido por um decreto municipal. Ou seja, de novo isso leva a um erro. Não tem como a Prefeitura dizer qual é o valor do potencial construtivo.
Eles querem usar esse modelo porque, na prática, o potencial construtivo não precisa ser vendido. Como ele vai ser utilizado como garantia de um empréstimo público, você pode indexar ele num valor que não é real para fingir que ele serve como garantia.
Ou, seja, vai ser um título podre, um título que não vai valer o que diz que ele vale. Quando ninguém quiser pagar essa (possível) dívida vai ser a população de Curitiba. A população está pagando, via BNDES, a construção do estádio.

E pagando novamente caso os títulos de potencial construtivo não sejam vendidos. E nada garante pra nós que a CAP S.A., empresa criada apenas para cuidar das obras do Atlético para a Copa de 2014, vá pagar seus empréstimos. Ela pode falir, pode se dissolver após 2014 e quem vai ficar com a dívida somos nós.
Em outras cidades acontece situação parecida. Na construção do porto no Rio de Janeiro também foi usado potencial construtivo. Quando se percebeu que não seria possível vender os títulos, quem arcou com a compra foi a Caixa Econômica Federal. Ou seja, mais dinheiro público sendo usado como garantia de empréstimo de dinheiro público. O que é preocupante é que, boa parte dos recursos que a Caixa e o BNDES têm usado nessas operações vem do FAT, o Fundo de Assistência ao Trabalhador, como já aconteceu nos Jogos Panamericanos, com a construção da Vila Panamericana. Recentemente a presidente Dilma vetou a proposta para se usar o FGTS nas obras da Copa. 

JS: Existe a possibilidade do município responder judicialmente por esses atos?
TH: Existe. A gente não pode excluir a possibilidade de que uma ação popular ou uma ação civil pública venha tentar responsabilizar os gestores que firmaram esse tipo de contrato ou convênio. Se existe a possibilidade do TCE desaprovar essas obras, o que já gera responsabilidade aos administradores, quem dirá judicialmente. Por exemplo, a própria assinatura do convênio entre o clube, o estado e o município foi antes da criação da lei. Foi contra a lei da época da assinatura, pois dizia que iria alterar a lei posteriormente. Isso é um absurdo.
Assina a matéria: Guilherme Carvalho, jornalista do Jornal Sismuc.
As imagens colocadas nesta matéria não estão na matéria original.
Segue o link com a matéria:
 




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